Fábulas - O Caminho das Pedras - Introdução

Passado muito lá atrás

Ao olhar para o passarinho ferido, pegou, afagou, limpou-lhe as feridas e colocou-o em cima da árvore para melhor poder sobreviver. A menina-senhora deambula pela floresta, em redor das árvores todas diferentes mas todas iguais, numa busca desenfreada das pequenas criaturas, frágeis e aparentemente valentes que por aí carecem de auxílio. De quando em vez sabe o caminho, a páginas tantas perde-se na contemplação de tudo o que é bonito, de tudo o que é negro, de tudo o pode ser belo.
Por vezes até se torna difícil observar alguns camaleões que pela sua natureza, escondem-se e disfarçam e ainda assim apelam por ajuda sem que eles próprios o entendam, e a menina-senhora senta-se a conversar longas noites ao luar para assim os entender, para assim continuar a sua missão.
Ela vive na floresta, do lado de cá do riacho, numa não-casa de pedra com ameias em cima e palafitas de bamboo, vulnerável às cheias que frequentemente tombam das margens do riacho para este lado do bosque. Mas naturalmente não são as cheias que farão a menina-senhora abandonar a tarefa que alguém-ninguém lhe deu, lhe transmitiu sem palavras e que ela sente como sua. Os pequenos animais, grandes alguns no tamanho, precisam dela e da sua destreza de vidas passadas a ajudar estas criaturas da selva. Não existem muitas meninas-senhoras como esta, e os pequenos animais sabem disso, contando com ela e habituados a quando um mal os assola, deslocarem-se à não-casa onde ela faz tratamentos e curativos. Por vezes até os opera com os instrumentos inexistentes que na não-casa tem, instrumentos que as vidas lhe deram. 
A solitária menina-senhora, por vezes, aliás quase sempre, leva uma pequena-velha criatura para a não-casa numa doce tentativa de fazer um trabalho prolongado, sólido, com ela. Também porque lhe falta a companhia e assim consegue pelo menos uma não-companhia.
Por vezes fica dentro de casa a cuidar da pequena-velha criatura do momento, por vezes continua a sair a ajudar as outras criaturas indiferenciadas que lhe aparecem no caminho. E quando estão boas, saem da não-casa e vão às suas vidas.
A menina-senhora sabe porque sabe que a sua vida é esta, assim como tem vivido, e eventualmente não outra. Planeia especializar-se, planeia percorrer caminhos mais longos, mas não planeia o que desconhece. O lado de lá do riacho ainda é uma incógnita que ela conhece mas não viu, e por vezes viu e não pisou. 

2 comentários:

Anônimo disse...

1. Lilian sentou-se na escada branca de flores

2. Lilian diz que não ouve todos os sons

3. o silêncio está cheio de vozes

do lago, outros tons

M.

Nuno Salvação disse...

Caro(a) Anónimo,
Obrigado por aqui estar.

Ao contrário da escada vermelha, na escada branca ninguém cai, ninguém escorrega. Ainda bem que Lilian está lá sentada provavelmente aguardando que alguém lhe dê a mão, não para a puxar, mas para caminhar ao seu lado na subida que leva ao Templo/Conhecimento.
Já segundo Francisco de Assis, foi esta escada precisamente que o Criador utilizou para descer ao encontro dos homens, esperando que um dia os homens a subissem para encontrarem o conhecimento.

Ainda bem que Lilian não ouve todos sons - filtra o ruído, e no meu entender, vozes do Lago só se percebem em silêncio.

Obrigado,
Nuno